O cuidado de si e o agenciamento com a ansiedade
14/06/2021Da ansiedade ao pânico
10/12/2021A mente humana é um jardim emocional, onde o cultivo consciente das emoções pode florescer em um terreno fértil de autocompreensão e crescimento pessoal
Assim como possuímos sistemas fisiológicos, como o respiratório, digestivo e reprodutor, também temos um sistema psicológico responsável pelas nossas emoções, sentimentos, pensamentos e comportamentos.
No entanto, ao contrário das abordagens médicas que tratam dos órgãos físicos, não dispomos de procedimentos como endoscopia, ultrassom ou ressonância magnética que permitam, em curto prazo, mensurar as variáveis emocionais, como raiva, medo, alegria, tristeza, ou sentimentos complexos como frustração, culpa, vergonha, desesperança ou desamparo, por exemplo.
Nossas experiências emocionais são complexas e envolvem uma interação dinâmica de processos neurobiológicos, cognitivos e psicossociais.
Embora, nos últimos anos, a prática da medicina tenha evoluído em direção a uma abordagem mais abrangente, incorporando tanto dados objetivos quanto subjetivos para oferecer cuidados mais personalizados e eficazes, ainda, em diversos contextos, o modelo de saúde tradicional tem dado ênfase a dados concretos, como diagnósticos objetivos, exames laboratoriais e medidas quantificáveis.
Mesmo durante uma consulta médica, diante do diagnóstico de condições como gastrite ou alergias, por exemplo, quando o médico comunica que a origem pode ser de natureza emocional, psicossomática ou psicológica, é comum que o paciente minimize o problema e não considere a psicoterapia como parte integral do tratamento médico.
Conformado com o conhecimento de que seu “mal” é “emocional”, atribuído ao “estresse” ou considerado como meramente “coisas da cabeça”, o paciente muitas vezes subestima o fato de que o cérebro desempenha um papel crucial nas funções do corpo. Ou seja, não valida o diagnóstico e não se submete ao tratamento com um profissional qualificado.
É crucial conhecer as variáveis das emoções e aprender a lidar com elas.
Muitas pessoas têm uma compreensão relativamente clara de como lidar com dores físicas, como tomar um analgésico para aliviar a dor ou um antiácido para tratar azia. Mesmo que nunca tenha colocado em prática, a maior parte das pessoas tem uma noção teórica de primeiros socorros.
No entanto, quando se deparam com emoções complexas como ansiedade, estresse, frustração, raiva, medo ou angústia, a maioria das pessoas encontra dificuldade em reconhecer e identificar esses sentimentos de maneira apropriada. Isso frequentemente resulta em reações impulsivas às sensações, comprometendo não apenas a saúde, mas também outras áreas de suas vidas.
“Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.” OMS
Durante o processo de desenvolvimento e aprendizagem, orientadores nos instruíram a seguir normas e adotar comportamentos específicos para garantir uma convivência social harmoniosa, o que levou ao desenvolvimento da inteligência social.
Na escola, priorizam a inteligência prática, ensinando-nos conhecimentos e a desenvolver habilidades. No entanto, muitas vezes, carecemos de orientação para reconhecer e gerenciar sentimentos, além de aprender a enfrentar os desafios da vida.
Não aprendemos a estabelecer um contato profundo com nossos sentimentos, a refletir sobre nossas ações ou a avaliar a intensidade, validade e veracidade de nossos pensamentos e sentimentos.
Essa falta de ensinamento, em muitos casos, leva a comportamentos prejudiciais e a sofrimento, mostrando a necessidade de aprender sobre o desenvolvimento da inteligência emocional.
Não basta apenas recorrer a medicamentos para tratar manifestações físicas, como gastrite ou problemas intestinais, por exemplo, sem desenvolver habilidades para gerenciar o estresse ou a ansiedade. Esses estados geralmente são desencadeados por gatilhos emocionais decorrentes de preocupações excessivas, conflitos pessoais, desafios profissionais, doenças ou pensamentos intrusivos, como medos absurdos de morte, perdas afetivas, status, segurança ou catástrofes, causando desconforto e sofrimento emocional.
Ignorar ou relegar os sentimentos a segundo plano pode impactar negativamente a qualidade da vida emocional, das relações pessoais e, consequentemente, a saúde. É possível aprender a gerenciar a intensidade das emoções e desenvolver uma postura mais assertiva nas relações pessoais e diante dos desafios da vida.
O entendimento dos mecanismos psíquicos de cada indivíduo ocorre ao longo de um processo de autoconhecimento.
Embora a tecnologia médica tenha avançado consideravelmente e os avanços na neurociência tenham proporcionado insights valiosos sobre as bases neurais das emoções, a mensuração direta e objetiva das emoções continua sendo um desafio.
A compreensão desses aspectos frequentemente se apoia em métodos mais subjetivos e qualitativos, uma vez que, conforme mencionado anteriormente, os estados emocionais são complexos e resultam de uma interação dinâmica entre processos neurobiológicos, cognitivos e psicossociais.
Atualmente, a avaliação de emoções e sentimentos depende em grande parte de métodos subjetivos, tais como relatos pessoais, observações e análises comportamentais detalhadas, além de avaliações clínicas meticulosas realizadas por especialistas em saúde mental.
A compreensão da influência das emoções no comportamento e seu impacto em diversas esferas da vida é, geralmente, alcançada através de técnicas de psicoterapia. Neste cenário, os pacientes têm a chance valiosa de investigar e compreender seus próprios padrões emocionais e comportamentais, estimulando um profundo autoconhecimento e crescimento pessoal.
Infelizmente, devido à falta de informação, algumas pessoas sustentam a ideia equivocada de que aqueles que procuram um psicólogo ou psiquiatra são considerados “malucos”. Existe a crença errônea de que apenas aqueles com problemas graves buscam tratamento psicológico, sem associar a saúde mental e emocional como aspectos cruciais para o bem-estar geral e a qualidade de vida.
O estigma em relação à busca por tratamento psicoterápico decorre da falta de compreensão de que essa procura não se restringe apenas a problemas graves.
Esses preconceitos muitas vezes surgem da falta de compreensão de que a busca por tratamento psicoterápico não se limita a problemas graves. São alimentados pela ignorância, e essa mentalidade muitas vezes revela a dificuldade de algumas pessoas em superar estigmas, reconhecendo a necessidade de ajuda e compreendendo que podem se beneficiar de tratamento psicológico, independentemente da gravidade do problema enfrentado.
A psicoterapia desempenha um papel crucial ao capacitar indivíduos a identificar e manejar suas emoções de forma eficaz. Esse processo terapêutico catalisa transformações profundas e mudanças comportamentais significativas nos pacientes, promovendo uma jornada de autodescoberta e crescimento.
“Perguntas-me qual foi o meu progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo” Sêneca
A psicologia oferece as ferramentas para explorar a própria singularidade, desenvolvendo estratégias resilientes para enfrentar as adversidades da vida e melhorar a interação com os outros. Este aprendizado envolve cultivar a própria força interna e gerar novas perspectivas para uma vida que é, por sua natureza, única e singular.
O processo psicoterapêutico não apenas facilita a observação crítica de padrões comportamentais disfuncionais, mas também encoraja a adoção de abordagens mais saudáveis e construtivas diante dos desafios, conduzindo ao desenvolvimento, crescimento e amadurecimento pessoal.
Assim como um jardim precisa ser cuidado e cultivado, as emoções dentro de nós também requerem atenção e manejo consciente para promover o crescimento pessoal e a autocompreensão.
Mary Scabora
Psicologia Clínica
Cuidar da saúde mental e emocional também é cuidar da saúde.
Cuide de si!