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28/05/2016Traumas da violência no parto
No Brasil, 1 em cada 4 mulheres sofre algum tipo de violência no parto, justamente em um dos momentos mais importantes de suas vidas.
Íntegra da entrevista concedia ao site Vila Mulher
Violência obstétrica é uma realidade alarmante que afeta cerca de uma em cada quatro mulheres no Brasil, especialmente durante um dos momentos mais significativos e vulneráveis de suas vidas: o parto. Esse tipo de violência se manifesta de várias formas, desde o tratamento desumano e negligente até práticas médicas invasivas sem o devido consentimento. A experiência de violência obstétrica pode deixar marcas profundas e duradouras na saúde mental e física das mulheres, resultando em uma série de transtornos emocionais e psicológicos. Este artigo explora os impactos dessa violência, os tipos de traumas desenvolvidos, e as melhores abordagens para tratamento e apoio às vítimas.
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Mulheres que sofreram violência obstétrica tendem a ficar depressivas? Desenvolvem traumas? Que tipos?
Mary Scabora – O parto é um momento marcante na vida da mulher. É um momento que mobiliza altos níveis de ansiedade e, com isso, conteúdos inconscientes relativos à sua história de vida emergem. Medos primitivos afloram, além dos temores comuns relacionados ao bem-estar dela e do bebê. É natural que, diante da expectativa do parto, a mulher alimente fantasias sobre dor, medo de morrer no parto, de ser dilacerada, duvidas sobre gerar um bebê saudável, entre outros medos. O significado psicológico deste momento na vida de uma mulher é incontestável e o impacto repercute durante toda sua vida. Ao passar por uma experiência negativa, a mulher vivencia o trauma de uma violência física e emocional: tem suas solicitações tratadas com indiferença e recebe tratamento desumano, arrogante, grosseiro, humilhante, com ameaças, repreensões, insultos, desrespeito à individualidade e à dignidade. A mulher dificilmente sairá incólume psicologicamente desta experiência. Principalmente porque se trata de um momento em que ela está psicologicamente frágil e emocionalmente vulnerável. O que, geralmente, favorece os sintomas depressivos.
Quadros depressivos são comuns no período da gestação e no pós-parto. Mesmo quando não há violência obstétrica e a mulher tem o atendimento adequado, esses quadros depressivos podem ocorrer de forma branda. No entanto, a violência obstétrica é o maior fator de risco para a depressão pós-parto. Uma série de estudos evidencia associação entre a ocorrência da depressão pós-parto e o pouco suporte recebido pela gestante durante o parto.
Entre os principais sintomas da depressão pós-parto estão irritação, tristeza, cansaço excessivo, muito medo, ansiedade e insônia, que podem ocorrer antes, durante e principalmente depois do parto.
Além disso, podem surgir sintomas ligados aos distúrbios de ansiedade decorrentes da experiência negativa, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), fobias relacionadas ao evento traumático (medo de médico, aversão a hospitais), distúrbios alimentares (compulsão ou perda de apetite), distúrbios do sono e sintomas psicossomáticos (problemas de pele, cabelo ou digestivos, sendo a gastrite a mais comum).
A qualidade da vida sexual também pode ser comprometida; em decorrência dos cortes na região pélvica, é comum sentir dores, pontadas e desconforto durante o ato sexual. Problemas com a autoestima, devido ao constrangimento em relação às cicatrizes, e questões sociais, como depressão e despotencialização, levam muitas mulheres ao isolamento.
Vila mulher: Isso pode interferir na vida amorosa, emocional da mulher?
Mary Scabora- Normalmente, durante o processo de gravidez, a mulher passa por transformações físicas e psicológicas que refletem na forma como ela se relaciona consigo mesma e com os outros, ocasionando mudanças nos vínculos afetivos. Quando ela enfrenta uma experiência traumática, onde é emocionalmente violentada ou tem o corpo dilacerado, como acontece em casos mais graves, isso repercute negativamente em todos os aspectos de sua vida, comprometendo a qualidade de suas relações pessoais, afetivas, sociais e profissionais.
Vila mulher: Qual o melhor tratamento para esses casos?
Mary Scabora – O sentimento de desamparo e impotência neste momento é muito forte, e a mulher precisa de acolhimento. Demora-se um tempo pra conseguir processar e compreender o acontecimento de forma que consiga se instrumentalizar para lidar com todo o estranhamento.
Cada pessoa tem uma forma especifica de lidar com situações traumáticas. Cada caso é único e deve ser tratado individualmente. O tratamento vai depender de como a mulher vivenciou a violência. O ideal é que ela tenha um espaço de escuta onde possa refletir e elaborar as vivências negativas, expressar e compreender sua dor, e buscar oportunidades de crescimento e de reavaliação.
Em casos de quadros graves de depressão e ansiedade, além da terapia, muitas vezes é necessário inclui o uso de medicamentos, com o acompanhamento psiquiátrico. Receber apoio da família e dos amigos também ajuda e é importante, mas não evita o problema.
Vila mulher: A mulher que sofreu violência obstétrica pode ter dificuldades em se relacionar com o próprio filho?
Mary Scabora – Depende de como cada uma elabora a experiência traumática. Algumas mulheres desenvolvem quadros mais graves que outras. É fato que a depressão pós-parto afeta a qualidade da relação mãe e filho. Os sintomas da depressão irão dificultar o exercício da maternidade. Porém, os efeitos da depressão na interação da mãe com o bebê dependem de uma série de fatores.
O parto é um momento em que ela espera ser especial, mas se se transforma num terrível pesadelo, onde ela tem que lidar com sentimentos de impotência e desamparo absolutos. Muitas mulheres sentem desconforto e culpa por não conseguirem se lembrar do parto como um dia feliz e especial.
Como dizer que o parto foi uma experiência terrível e dolorosa pra um evento tão significativo que teoricamente deveria ser sublime? Elas sentem dificuldade em separar o momento do parto da felicidade pela chegada do filho e vivenciam estes sentimentos contraditórios com certa estranheza, além do sentimento de culpa por terem sentimentos tão ambivalentes.
Vila mulher: Mesmo que a mulher não demonstre nenhum sintoma que afete o seu emocional após ser violentada, ela pode vir a apresentar esses sintomas mais tarde?
Mary Scabora – Sim, muitas vezes a violência ocorre de forma sutil e velada. A mulher pode demorar para processar o ocorrido, não compreendendo porque se sente angustiada, insegura, sensível demais, entristecida quando deveria estar feliz e realizada.
A depressão pode aparecer até três meses depois do parto. Outros sintomas que podem aparecer tardiamente estão relacionadas com o transtorno por estresse pós traumático (TEPT). Este é um distúrbio de ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais decorrentes de situações em que a pessoa foi vítima ou testemunha de atos violentos ou traumáticas que ameaçaram sua vida ou à vida de terceiros.
Ao recordar do fato, a mulher revive o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento, com a mesma sensação de dor e sofrimento. Essa revivência desencadeia pensamentos recorrentes e intrusivos que remetem à lembrança do trauma, com pesadelos, isolamento social, fuga de situações, contatos e atividades que possam reavivar as lembranças do evento traumático, além de sensações físicas como taquicardia, sudorese, tonturas, dor de cabeça, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, irritabilidade e hipervigilância diante de situações que remetem a lembrança Muitas vezes a mulher não associa os sintomas à experiência do parto.
Para muitas mulheres que sofreram violência de forma marcada, é insuportável rever e reviver tanta dor que, mesmo com o passar do tempo, é sentida de maneira vívida e dolorida. Algumas demoram anos para digerir a situação, o que pode desenvolver ou ampliar quadros depressivos.
Vila mulher: A mulher que sofreu violência obstétrica pode desenvolver um medo por futuras gestações? Ou até de ir ao médico?
Mary Scabora – Sim, em função do stress sofrido e do alto nível de ansiedade, muitas mulheres vivenciam a experiência do parto com terror. Em alguns casos, quando o processo do parto foi longo e dolorido, principalmente quando ocorre a dilaceração do corpo, algumas mulheres até desistem de tentar uma nova gravidez.
Vila mulher: Outras considerações.
Mary Scabora – É importante salientar que a violência é marcada não pela falta de acesso a tratamentos adequados, mas pelo descaso e pela falta de qualidade de um atendimento ético e mais humanizado. Embora os relatos de violência obstétrica venham de todas as classes sociais e faixas etárias, mulheres de regiões mais pobres, mulheres negras e mulheres solteiras apreentm uma maior prevalência de casos de abuso e violência. isso nos leva a pensar que a discriminação, o preconceito e o machismo favorecem a violência obstétrica.
“A mulher é violentada toda vez que algo lhe é imposto. É violada em sua individualidade e sua dignidade uma vez que perde o poder de decisão sobre seu corpo”. Eliane Brum
Mary Scabora Psicóloga Clínica
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