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Machismo é um sistema de ideias reproduzidas a partir de relações de poder de uma lógica patriarcal que foi construída histórica e culturalmente, onde a principal ideia é a de que homens e mulheres são diferentes, e mulheres são inferiores e não possuem os mesmos direitos que os homens.
É uma forma de pensamento que transforma as diferenças de gênero em desigualdades e oprime mulheres e homens, pois impõe modelos de comportamento inalcançáveis.
Alimenta uma forma de pensamento onde o homem busca um modelo de superioridade, poder e força e a mulher fica em posição vulnerável e sofre violência e opressão. O machismo é a principal causa do desrespeito e violência contra a mulher.
Vila mulher – O papel da mulher mudou na sociedade. Então porque os conceitos machistas continuam existindo?
Mary Scabora – O machismo é um comportamento que foi construído e legitimado ao longo da história. São ideias que estão arraigadas e que são mantidas pelo discurso social. Muitas vezes, as pessoas reproduzem um discurso ou comportamento machista automaticamente, sem nem perceber ou pensar nos efeitos, seja expressando por meio de piadas com preconceitos discriminadores ou desqualificando e desconsiderando a mulher por sua vida sexual, pela roupa que usa ou pelo comportamento.
É uma herança cultural, que está se dissipando com a evolução das relações sociais, mas que ainda é muito forte e que se apresenta em diferentes níveis, de acordo com a questão geográfica e sociocultural. Como foi um pensamento e comportamento que durante milênios ditou as regras sociais, é natural que essa mudança seja gradual.
Vila mulher – Atitudes machistas partem de homens e de mulheres também. Como se explica isso, da própria mulher se diminuir?
Mary Scabora – Vivemos em uma sociedade predominantemente machista. Esta forma de pensamento está enraizada no imaginário social e torna legitima a subordinação da mulher pelo poder do homem.
Existe um estereótipo relacionado ao sexo feminino e, na maioria das vezes, sem se darem conta, mulheres tentam, inutilmente, se encaixar no ‘modelo feminino ideal’ e se submetem ao desejo do outro e negam a si. Têm dificuldade de reconhecer seus direitos e de se reconhecerem autônomas em seu comportamento, pois estão reféns do olhar do outro: “O que vão pensar de mim?”.
Vila mulher – Mulher que sofre machismo pode se sentir diminuída sem saber? Isso pode acarretar algum problema mais sério de autoestima, por exemplo, ou patologia?
Mary Scabora – Um dos maiores problemas do machismo é: “para onde esta forma de pensamento leva?”. Por ser uma ideologia transmitida, onde a mulher tem por obrigação cumprir papeis devido ao seu gênero, logo surgem normas de comportamento ditos adequados. Há casos de jovens que cometeram suicídio após ter fotos íntimas divulgadas na internet e passarem por um julgamento moral.
Os comentários na maioria das vezes são cruéis e a vitima se torna responsável por um crime que outra pessoa cometeu. Em outros casos, dentro de uma relação machista, a mulher se anula para se submeter à vontade do homem, o que aumenta o nível de ansiedade e stress e pode levá-la a quadros de depressão, crises de pânico e outras situações que comprometem sua saúde como um todo.
Há também grandes traumas causados pela face mais extrema do machismo, que é a violência doméstica e a violência sexual, que podem acarretar graves comprometimentos psicológicos.
Vila mulher – Você acha que o machismo está começando a ser extinto? Ou ainda estamos muito longe da igualdade entre os gêneros?
Mary Scabora – Trata-se de uma mentalidade. E a mudança de mentalidade se dá de forma lenta e gradual. Estamos em processo de transformação. Movimentos sociais como o movimento feminista têm um papel importante na fundamentação de estruturas de base de apoio para mulheres obterem seus direitos, quando sofrem com a desigualdade e violência. E, eles têm conseguido grandes avanços, como a lei Maria de Penha. Por outro lado, o crescimento das mulheres em sua vida profissional e pessoal e sua presença cada vez mais forte na política e na liderança de entidades e empresas, mostra um movimento natural da sociedade em direção ao equilíbrio dos gêneros. É impossível prever quanto tempo leva esse movimento e é importante ver que, em nível global, há diferentes níveis de avanço, com sociedades igualitárias, e outras em que a mulher ainda é completamente subjugada pelos homens, inclusive legalmente.
Vila mulher – Expressão: “Homem procura fora o que não tem em casa”
Mary Scabora – Coloca na mulher a responsabilidade de satisfazer sexualmente o homem e ainda tenta justificar a infidelidade culpabilizando a mulher. Como se fosse dever dela evitar a infidelidade satisfazendo a vontade do homem.
Vila mulher – Homem que é homem tem ereção e engole o choro!
Mary Scabora – O machismo também é opressor para os homens. Um dos mitos machistas aprende-se logo na infância: Meninos não choram, pois o ideal masculino é de força e de virilidade. Machos não falham, são bem sucedidos, fortes e viris e qualquer característica feminina é sinal de fraqueza e de inferioridade.
Vila mulher – Homem deve “ajudar” nas tarefas domésticas e mulher é a dona de casa
Mary Scabora – O papel de ‘rainha do lar’ foi atribuído à mulher e a este papel coube obrigações referentes a tarefas domésticas e cuidados com os filhos como se fosse uma obrigação exclusiva da mulher. Não é uma “ajuda”, é dever, uma vez que dividem o mesmo espaço. O que justifica que só uma pessoa tenha a obrigação de limpar o que todos sujam?
Vila mulher – Não existe amizade entre homem e mulher
Mary Scabora – Dá a ideia de que não há possibilidade de que um homem e uma mulher tenha uma relação sem envolvimento sexual. A amizade é uma relação que se baseia no afeto, no respeito pautado por afinidades. Existem vários outros interesses que permeiam a relação de um homem e uma mulher.
Vila mulher – Mulher nasceu para ser mãe
Mary Scabora – Não! Este pensamento coloca a maternidade como uma ‘função’ atribuída como dever da mulher, como se ela fosse uma simples reprodutora. A maternidade é uma opção e não uma obrigação. A mulher ocupa outros espaços na sociedade e tem o direito de decidir como quer, se quer ou não passar pela experiência da maternidade ou de fazer outras escolhas que não a de ser mãe. De optar pela carreira ou viagens, por exemplo. O pensamento machista coloca as mulheres que declaram não querer ter filhos ou que abortaram como algo antinatural ou mesmo execrável. E, por outro lado, firmam um “modelo ideal de mãe” de “o que é ser mãe”. Muitas vezes, quando a mulher no papel de mãe não corresponde a estas expectativas são atribuídos a ela rótulos depreciativos ou mesmo ela tem sua sanidade mental questionada. Como se a mulher tivesse o dever de corresponder ao que é esperado dela no “papel de mãe”.
Mary Scabora Psicóloga Clínica
Cuidar da saúde mental também é cuidar da saúde. Cuide de si!