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O que acontece com as pessoas durante esses processos? E a mudança de ser gordo para ser magro pela cirurgia bariátrica, pode gerar transtornos psicológicos
Entrevista concedida a revista Psique Ciência e Vida
Psique Ciência e Vida – Muitas vezes, o impacto psicológico da obesidade ou as razões emocionais que levaram a pessoa a esta situação são ignorados. Por que há esta dificuldade na identificação da relação obesidade-psicologia?
Mary Scabora – Muitos são os fatores. Infelizmente, o pensamento vigente ainda está ancorado no modelo biomédico mecanicista. Neste sentido, a metodologia utilizada para diagnosticar, classificar e estabelecer tratamentos e prognósticos da obesidade baseia-se em critérios científicos e fisiológicos com dados objetivos e, muitas das vezes, os fatores subjetivos são desconsiderados ou mesmo negligenciados. A Psicologia, assim como a Psiquiatria, compõe-se no imaginário social como sendo “coisa para maluco”. A população em geral, independentemente de nível socioeconômico, desconhece a necessidade desses profissionais. Não existe uma campanha adequada e esclarecedora sobre a importância de tratamentos que promovam a saúde mental. Além, é claro, da indústria farmacológica e estética, que vendem a ilusão do emagrecimento rápido no qual as pessoas são “capturadas” por uma demanda social, eu diria um tanto quanto tirânica, que relaciona emagrecimento com a beleza e a aceitação social e não à saúde e ao bem estar.
Seja como causa ou como efeito, é fato que as perturbações psíquicas têm papel significativo na obesidade. O ato de comer possui significados simbólicos que estão ancorados na fase mais primitiva no desenvolvimento. Na literatura psicanalítica, a boca é o primeiro acesso de comunicação com o mundo externo. O recém-nascido percebe o mundo e estabelece contato através da boca e é nesta fase oral que estabelecemos relação e comunicação com o mundo externo, tendo contato com sentimentos como prazer, satisfação, amor, agressividade, raiva, privação e medo. A boca, além de ser uma das fontes de nutrição, é também de satisfação. O ato de comer gera prazer e, consequentemente, tranquilidade. Isso explica a compulsão que se apresenta na maioria de pacientes obesos e com dificuldades em manter um peso saudável. Mas neste caso, são um prazer e uma satisfação ilusórios.
Psique Ciência e Vida – Que problemas de ordem psicológica são mais comumente associados à condição de obesidade? Qual o perfil psicológico da pessoa obesa padrão?
Mary Scabora – Penso que não existe um comportamento “padrão”, cada individuo lida com suas questões internas de maneiras diferentes de acordo com sua singularidade. Porém, a grande maioria dos pacientes obesos apresenta baixa autoestima, estresse elevado, ansiedade, culpa, vergonha do próprio corpo – que pode gerar dificuldade de aceitação, quadros de depressão, melancolia, compulsão, dificuldade para lidar com frustrações, raiva internalizada, agressividade bloqueada, desamparo, insegurança, submissão e passividade, preocupação excessiva com a comida e intolerância. Comem-se emoções, o excesso de comida cumpre o papel de preencher o vazio existencial. Não se trata de fome física ou somente distúrbios químicos, A pessoa se nutre de afeto através da comida, pois comer é um ato tranquilizador.
Psique Ciência e Vida – Há muitas pessoas obesas que se dizem sentir bem com seu corpo, afirmando não sentir culpa pelo que comem ou vergonha pela sua aparência. É possível manter uma saúde mental satisfatória, mesmo permanecendo obeso?
Mary Scabora – Sim, é possível manter uma saúde mental e autoestima equilibrada. Porém, quanto à expressão “satisfatória”, há controvérsias. Em uma relação de auto aceitação positiva na pessoa obesa, embora seja uma resposta à questão das relações sociais, é preciso verificar que permanece um componente compulsivo. Se o olhar para a questão for do ponto de vista da saúde, e não só da estética, o combate à obesidade é um fator fundamental do cuidar de si e se amar. Não apenas aceitar o próprio corpo, mas saber que, em longo prazo, a obesidade pode ser um fator desastroso para a saúde e a qualidade de vida.
Nem todos os obesos têm sentimentos negativos em relação ao seu próprio corpo. Tais sentimentos são observados com maior predominância em pessoas que tiveram o inicio da obesidade na infância ou adolescência e que vivenciaram situações em que se viram desvalorizadas ou depreciadas pela sua forma física (geralmente na escola ou mesmo na própria família). Estudos que se referem à imagem corporal quando se trata de obesidade, mostra que indivíduos obesos não apreciam seus próprios corpos ou têm uma percepção distorcida sobre eles. A decisão de manter um peso saudável deve estar a serviço da saúde.
Beleza, sensualidade e elegância não estão atreladas à magreza. Essa forma de pensamento precisa ser desconstruída, pois uma das maiores dificuldades de adesão a um tratamento adequado se dá em função da urgência em perder peso em um curto período de tempo. É ai que entram as pílulas mágicas e os tratamentos milagrosos, porém perigosos e frustrantes.
Psique Ciência e Vida – Poderia falar um pouco sobre ao Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica e a Síndrome do Comer Noturno, problemas normalmente associados à obesidade?
Mary Scabora – O Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica TCAP ( a literatura americana utiliza-se do termo “binge eating” para os ataques de comer exageradamente) tem como característica a presença de episódios recorrentes de ingestão de grande quantidade de alimentos em um curto intervalo de tempo, seguido de uma sensação de vergonha, culpa, angustia perante a perda de controle sobre o ato de comer, sobre o que se come e o posterior arrependimento por ter comido. Esse comportamento alimentar assemelha-se à bulimia, com a diferença de que nos quadros de TCAP não há a necessidade de induzir o vomito a fim de expelir o alimento ingerido, pois não existe, durante os episódios de compulsão, a preocupação com o aumento de peso e com o corpo como no caso da bulimia ou dos obesos mórbidos.
A pessoa não come por fome, come por impulso, e não existe um critério de seleção dos alimentos. Ela tem preferências por alimentos saborosos, mas na falta deles come o que tiver ao alcance. Cabe ressaltar que o TCAP não ocorre somente em obesos, mas também em pessoas com peso normal, muito embora a maioria tenha um histórico de tentativas frustradas de fazer dietas e sentem-se desesperados diante da perda de controle durante os episódios de “binge”, pois ingerem milhares de calorias em uma única refeição. O processo é cíclico, surge o desejo de comer algo, come-se muito rápido e exageradamente até não aguentar mais, surge a angustia, a vergonha, a culpa e o arrependimento seguido de raiva de si mesmo, a depressão e novamente o descontrole.
Na síndrome do Comer Noturno, o indivíduo priva-se de alimentos pela manhã, come excessivamente à noite e apresenta insônia. Os episódios geralmente se dão entre 20h e 6h e neles o individuo acorda várias vezes durante a noite para comer e, assim como no TCAP, os episódios são acompanhados por uma sensação subjetiva de perda de controle seguida de culpa.
Devido ao fato da ingestão alimentar ser muito grande durante a noite, há ausência de apetite durante o dia, facilitando uma dieta de baixas calorias e pobre em nutrientes. Tal atitude colabora para o aumento da ansiedade e mudança de humor no decorrer do dia. Esses pacientes apresentam taxas de estresse mais elevadas do que outros transtornos alimentares.
Sob a capa de tais comportamentos (TCAP ou SCN) existe um problema psicológico camuflado, (depressão, ansiedade, raiva internalizada, bloqueio da agressividade, alterações de humor, carência afetiva, baixa autoestima, entre outros) combinado com uma dieta alimentar pobre em nutrientes e dificuldades de adesão a um tratamento adequado.
A literatura, de modo geral, mostra que pacientes obesos com compulsão alimentar apresentam maior psicopatologia que os pacientes obesos sem a compulsão alimentar. Apresentam taxas elevadas de transtornos de ansiedade, transtornos do humor e bulimia nervosa. Talvez este fato explique alguns resultados divergentes obtidos em estudos que procuram determinar a prevalência de psicopatologia na obesidade, pois, na clinica médica, não há uma conclusão diagnóstica acerca do TCAP.
Doenças relacionadas à obesidade são muito complexas pelo fato de serem multifatoriais. Além dos fatores genéticos, dos psicológicos, dos maus hábitos alimentares e comportamentais (como o sedentarismo e o estilo de vida inadequado), existem também os fatores físicos, pois, trata-se de um desequilíbrio bioquímico dos neurotransmissores responsáveis pelo controle da saciedade. Açúcar e carboidratos são estimulantes naturais de serotonina. Por isso, um tratamento multidisciplinar se faz necessário.
Psique Ciência e Vida – Como o psicólogo deve atuar para ajudar uma pessoa obesa na sua jornada para emagrecer?
Mary Scabora – O tratamento psicoterápico é fundamental, pois busca atender aspectos emocionais e comportamentais no processo do emagrecimento. O objetivo é estabelecer uma relação saudável entre o indivíduo e a comida, de forma que esta perca a função de nutrir os afetos, tendo em vista que, questões como ansiedade, depressão, baixa autoestima e outros conflitos emocionais são geradores de angústia que levam à compulsão e, consequentemente, ao aumento de peso.
A terapia com foco no emagrecimento trata da dificuldade de perder peso como um sintoma gerado por outras questões de ordem emocional. Colabora ativamente para que o indivíduo se reestruture emocionalmente e aprenda a desenvolver recursos para lidar com seus conflitos internos, tornando-o mais potente e mais reflexivo diante das dificuldades e na busca por soluções. Colabora para ampliar a consciência sobre si mesmo, detecta o ativador da ansiedade que leva a compulsão (o ato de comer é um poderoso redutor de ansiedade), promove equilíbrio emocional, ajuda a desvincular conforto de comida, leva a descoberta de novos prazeres na vida, a perseverar no percurso – pois os níveis de desistência são elevados -, compreender a diferença entre fome e vontade de comer, aprender a reconhecer emoções como tristeza, solidão, angústia, raiva, ansiedade, saudade e não confundi-las com fome, restabelecer a confiança e, entre outras coisas ajuda o indivíduo a aprender a lidar e a controlar o que o angustia, para não buscar refúgio na comida, pois tal comportamento gera mais angústia, pela culpa.
Psique Ciência e Vida – Poderia falar um pouco sobre o funcionamento do Projeto Integração?
Mary Scabora – O Projeto Integração tem como proposta o Tratamento Muldisciplinar do Emagrecimento. Trata-se de um tratamento acompanhado, visando não somente a redução de peso, mas sim uma mudança de comportamento e hábitos. Implica em aprender a conviver com mudanças, romper com velhos hábitos e assumir novos comportamentos que, com o tempo, se tornarão hábitos saudáveis e automáticos. Exige empenho, autoconhecimento, comprometimento e responsabilidade em relação ao tratamento.
É um processo longo e gradual onde a perda de peso ocorre como conseqüência e o comprometimento é com a saúde. É muito mais do que ceder às imposições estéticas tão fortalecidas pela ditadura da beleza e da indústria das dietas, remédios e produtos milagrosos.
O tratamento envolve além do acompanhamento psicológico, orientação e reeducação alimentar, orientação para atividade física; procedimentos estéticos e quando necessário encaminhamento médico.
A orientação para a prática de atividade física é feita por um profissional de Educação Física e é parte fundamental do processo, pois auxilia a perda de peso e mobiliza os estoques de gordura do tecido adiposo. A intervenção estética colabora para a redução de medidas, modelagem corporal, promove a eliminação do liquido em excesso e de toxinas, ajudando a aliviar a ansiedade, gerar autoestima e principalmente melhorar a saúde como um todo. É importante que o tratamento seja compatível com o estilo de vida, com a realidade e as necessidades e preferências do paciente para que ele possa se sentir envolvido e ouvido e incorpore as mudanças de comportamento ao dia-a-dia de forma natural, não apenas em caráter temporário.
É um processo de aprendizagem, do cuidar de si como um todo, estabelecer uma relação de amor consigo mesmo. Promover a compreensão de que mente e corpo se integram em uma totalidade.
Mary Scabora
Psicóloga Clínica
Cuidar da saúde mental também é cuidar da saúde.
Cuide de si!